Capítulo I – Nasci...


Sentia-me um ser único. Diferente de tudo e de todos. Certas vezes até me sentia o único lúcido no mundo, embora também me sentisse como o único alienado. Odiava amar. Amava odiar. Odiava sentimentos. Amava senti-los. Vivia pela lógica. Guiava-me pela emoção. Não me sentia o ser mais perfeito no mundo. Pra falar a verdade, até achava que tinha os piores defeitos do mundo. Era péssimo não correr atrás dos meus sonhos e desejos somente por medo. Meus medos eram coisas demasiadamente fúteis. Deixava as coisas boas irem embora por timidez. Por esses e outros motivos que estava decidido a mudar.
Aquele foi meu primeiro dia de vida. De uma nova vida. A partir daquele ponto, começaria tudo de novo. Mas teria uma vantagem. Não teria que correr atrás de amizades ou conhecimentos. Iria começar de um ponto adiantado. Essas vantagens lhe davam confiança para seguir (e tropeçar).
Tinha marcado de ir ao cinema com uns amigos naquele dia. Para falar a verdade, eu realmente não sabia o que iria fazer lá. Morava na ponta norte da cidade e iria para um cinema na ponta sul. Era uma grande viagem para ver apenas um filme (que, depois de muito tempo, descobri que havia perdido meu tempo).  Mas tinha prometido a um amigo ir buscá-lo, para depois irmos a um show. Feliz, ou infelizmente, eu sentia que não devia ir. Algo me dizia que não era uma boa ir lá, que não seria legal. Essa mente faz isso constantemente, e quase sempre erra. Essa era uma das razões que me faziam perder as oportunidades. Era somente medo, mas havia prometido: "Esquece essa voz, esquece essa preguiça. Te levanta e vai lá!"
Saí de casa e peguei meu ônibus (não tenho uma sege).  Desci e fui encontrar alguns amigos para pegarmos o próximo (sim, era longe por demais). A voz continuava a me avisar, mas nem ouvia. Em parte porque não queria. Em (boa) parte por causa do fone de ouvido. Cheguei ao ponto de encontro. Entrei. Avistei um dos dois colegas. Dei um "olá!" sem entusiasmo. Conversarmos. Ligamos para o segundo colega. Vimos entrar no prédio. Demos um "olá!" com meio entusiasmo. Saímos para pegar o segundo ônibus.
O segundo me dizia que estava espantado com o fato de me ver ali (eu também estava, mas continuava olhando para o chão). Ele continuava falando que sabia o porquê eu estava ali. Nessa hora, senti um calafrio. Levantei a sobrancelha direita, em sinal de estranheza. Ele me dizia que alguém em especial estaria nesse cinema, e que esse "especial" era mim.
- Ah não! –Eu disse com desgosto - Ela vai?
- Sim... –Me disse com um ar espantado - Não sabia?
Detestava ser o último a saber. Ironicamente, era sempre o último a saber das coisas que realmente importavam. Ela era sim, alguém muito especial. Digamos que era somente a pessoa que mais importava na minha vida (sabe como são as crianças, tudo parece ser a última oportunidade).  Alguém com quem eu queria passar o resto da vida, em paz. Paz, que por sinal, eu nem provava. Nos encontramos poucas vezes. Uma deles em especial, foi numa noite perfeita. Essa felicidade vinha de alguns meses de relacionamento à distância finalmente concretizados com uma noite de amor. Infelizmente, essa alegria não durou muito (como sempre acontecia). Ela havia pedido um tempo para pensar. Eu sabia traduzir cada sílaba que ela dizia, mas queria que ela pensasse em nós, se fosse preciso. Desde então, nunca mais nos falamos. Havíamos nos encontrado outra vez, por acaso, e não tinha sido um bom encontro. Nesta vez, eu havia adquirido o poder da invisibilidade.
O fato de ela estar naquele cinema trazia bons e maus pensamentos. O mau era o fato dela não estar falando comigo. O bom era que queria acabar com isso de uma vez. Iria forçar uma conversa entre nós dois. Estava decidido que sim. Esperava boas reações. Peguei o segundo ônibus pensando nisso. Agora que já estava a caminho do meu destino, só tinha duas coisas a fazer. Escutar minha música em paz e esperar.
Ah! Promessas que queria cumprir...

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