Sonhos

Vivia preocupado com a vida. Todos os dias se irritava por nada, obedecia cegamente e seguia solitário, acompanhado apenas de suas tristezas. Um dia teve um sonho e, esse sonho, o transformou.
Ele estava em casa, sozinho. Não sabia exatamente o que fazia, mas certa hora ela apareceu. Pego de surpresa não tinha reação. Gostou de tê-la encontrado, de poder vê-la, senti-la, tocá-la. Mas não sabia o que fazer. Ficou ali, parado, encarando-a. Feliz, por decerto, mas com ódio de si mesmo, por não sair daquela cena infeliz. Ele ali, sem nada fazer, a viu indo embora. Na esquina da vida, a viu encontrando outro e seguindo com ele. Enquanto isso, ele ficava lá, recluso, ferido por si próprio.
Passado esse pesadelo, decidiu mudar. Não podia continuar com aquilo. Leu certos livros, viu certos filmes, ouviu certas músicas e respirou certos ares. Ele sabia que ela era um sonho apenas, que não conseguiria alcançá-la, mas tinha que tentar. Outra noite chegou.
Ele estava sozinho em casa. Saiu de seu quarto e foi para a sala. Lá estava ela, com suas roupas rasgadas e um livro. Seus cabelos e lábios vermelhos reluziam e atraíam. Dois amuletos nela via, um pingente no pescoço e uma fita nos pulsos. Será que ali poderia vencer seus medos? Ela se juntaria a ele nessa descida? Compreendeu que aquilo era um sonho, ela irreal e não teria motivo para não tentar, afinal, nada poderia perder. Se aproximou e pegou em sua mão. O toque parecia real, mas reafirmou para si próprio: "é só uma ilusão". Subiram as escadas, abriram a porta e se depararam com uma vista para a rua. Era incrível. Ele via um céu azul e um sol radiante a brilhar. Ela via um céu escuro e uma lua tão branca quanto sua pele. Havia ali um sofá, velho, rasgado, de um passado esquecido. Era hora de remendar aquilo, de fazer dar certo.
Começou a falar e contar, tudo que sentiu, tudo que sentia. Contou o que via, o que sonhava, o que não queria e queria. Mil teorias e hipóteses ele levantou, mil estratégias desenhou, mas enfim, fez aquilo. Tão simples quanto prático. Somente se abriu. Sem mais. Ele, com um brilho nos olhos e um tremor ao corpo, pediu-lhe resposta. Ela, tão bela quanto ao subir, se aproximou e fechou os olhos. Achando sensato, ele fechou os seus também. Aquela sensação não podia ser ilusão. Era real demais. Podia sentir tudo como se fosse agora, como se fosse aqui. Abriu os olhos e nada viu. Era só um sonho, novamente.
Com todo seu bom humor matinal, foi ao banheiro e lavou o rosto. Voltou ao quarto e abriu as cortinas. Bendita hora que resolveu ver o céu, pois ele via um sol radiante, e ela, ao seu portão a esperar, via uma lua tão branca quanto sua pele.

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